quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

CONTO

Era uma vez, numa aldeia muito pequena, um homem que trabalhava como aguadeiro. Naquele tempo, a água não saía das torneiras. Era preciso pegá-la no fundo dos poços ou no fluxo dos rios. Se não houvesse poços perfurados perto da aldeia, quem não quisesse buscar água pessoalmente tinha que comprá-la de um dos aguadeiros que, com grandes tinas, iam e voltavam com o precioso líquido.
Certa manhã, uma das tinas rachou e começou a vazar pelo caminho. Ao chegar à aldeia, os compradores lhe pagaram as 10 moedas de costume pela tina da direita, mas apenas 5 moedas pela outra, que chegara praticamente pela metade.
Comprar uma nova tina era muito caro para o aguadeiro. Então ele decidiu que deveria apressar o passo para compensar o dinheiro que recebia.
Durante dois anos o homem continuou a ir e vir, levando água à aldeia e recebendo 15 moedas como pagamento por uma tina e meia de água.
Uma noite foi acordado com um ruído no seu quarto:
-Psiu...Psiu...
-Quem está aí, perguntou o homem?
-Sou eu- disse uma voz que saía da tina rachada.
-Por que está me acordando a essa hora?
-Imagino que se falasse com você em plena luz do dia o susto impediria que me escutasse. E preciso que me escute.
-O que você quer?
-Quero pedir perdão. Não foi minha culpa a rachadura por onde a água escorre, mas sei o quanto o prejudiquei. Todos os dias, quando você chega à aldeia cansado e recebe pelo meu conteúdo metade do que recebe pelo conteúdo da minha irmã, tenho vontade de chorar. Sei que deveria ter sido trocada por uma vasilha nova e, no entanto, você me mantém ao seu lado. Quero agradecer-lhe e pedir que me desculpe.
-É engraçado que você me peça desculpas - disse o aguadeiro. -Amanhã, bem cedo, sairemos juntos, você e eu. Quero lhe mostrar uma coisa.

O aguadeiro dormiu até o amanhecer. Quando o sol surgiu no horizonte, pegou a tina rachada e foi com ela até o rio.
-Olhe - disse ao chegar, apontando para a cidade. - O que você vê?
-A cidade, disse a tina.
-E o que mais? - perguntou o aguadeiro?
-Não sei...o caminho - respondeu a tina.
-Exatamente. Olhe para as margens do caminho. O que você vê?
-Vejo terra seca e cascalho no lado direito e canteiros de flores no lado esquerdo - disse a tina, que não entendia o que seu dono queria lhe mostrar.
-Por muitos anos percorri este caminho triste e solitário carregando água até a aldeia e recebendo a mesma quantidade de moeda por ambas as tinas...Mas um dia percebi que você tinha rachado e perdia água. Eu não podia trocá-la por uma tina nova, por isso tomei uma decisão: comprei sementes de flores de todas as cores e semeei em ambos os lados do caminho. A cada viagem, a água que você derramava regava o lado esquerdo do caminho e, nesses dois anos, você conseguiu criar essa diferença.
-O aguadeiro fez uma pausa e, acariciando sua querida tina, disse: - E você me pede desculpas? Que importam algumas moedas a menos se graças a você e a sua rachadura o colorido das flores alegram o meu caminho? Sou eu que deve agradecer seu defeito.

( Extraído do livro: "AMAR DE OLHOS ABERTOS" de Jorge Bucay e Sílvia Salinas )